1. A promessa do espelho: quando o resultado estético decepciona
Você entra no consultório com expectativa. Quer suavizar rugas, levantar a expressão, harmonizar o rosto. Do outro lado, o profissional escuta, analisa e tranquiliza: “botox resolve”. Com segurança, promete resultado.
A decisão parece simples. O procedimento é rápido, minimamente invasivo e cercado de promessas visuais.
Mas, dias após a aplicação, o espelho devolve outra imagem. Nada mudou. Ou pior: mudou para o que você não queria.
A frustração se instala.
E com ela, a dúvida: será que houve falha no procedimento? Tenho direito à indenização?
2. Responsabilidade civil e obrigação de resultado na estética
Procedimentos estéticos, em regra, envolvem obrigação de resultado: o prestador se compromete com um efeito concreto — levantar sobrancelhas, reduzir sulcos, simetrizar expressões.
No entanto, quando realizados por profissionais liberais (como médicos, biomédicos e dentistas), o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 14, § 4º, impõe a necessidade de apuração de culpa para responsabilização civil:
“A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”
Assim, o simples fato de o resultado não ter sido atingido não gera, por si só, dever de indenizar.
3. Frustração estética não é, por si só, falha indenizável
O efeito insatisfatório pode causar incômodo — mas, juridicamente, só se configura falha técnica quando há conduta culposa do profissional, como:
- Aplicação incorreta ou técnica inadequada (imperícia)
- Falta de orientação clara sobre riscos e reações (imprudência)
- Descuidos com anamnese, prontuário ou pós-atendimento (negligência)
Além disso, o botox reage de forma diferente em cada paciente: fatores como tipo de pele, idade, metabolismo e musculatura facial influenciam diretamente no efeito.
Por isso, a responsabilização não decorre da decepção isolada com o resultado.
4. Quando o profissional deve demonstrar que agiu corretamente
Em procedimentos estéticos como a aplicação de botox, é comum que o profissional prometa um resultado visual específico. Por isso, a Justiça entende que há, nesse contexto, uma obrigação de resultado — ou seja, o compromisso de alcançar determinado efeito estético.
Quando o resultado não é atingido, os tribunais admitem que a responsabilidade pode recair sobre o profissional, e cabe a ele demonstrar que atuou com técnica, diligência e cautela, além de ter informado adequadamente sobre os riscos.
Essa dinâmica não dispensa a análise técnica e as provas do caso concreto, mas reforça o dever do profissional de apresentar documentação — como prontuário, registros do procedimento e justificativas médicas — para afastar a responsabilidade.
Em julgado analisado, a conduta do profissional, além de equivocada sobre a literatura científica, foi considerada insuficiente pela ausência de documentação clínica e colaboração com a apuração dos fatos.
Além disso, a recusa em apresentar o prontuário ou a omissão em esclarecer o ocorrido foram fatores que também reforçaram a percepção de que houve falha na execução do procedimento.
5. Exemplos reais de falhas em aplicação de botox
Decisões recentes reconhecem a falha técnica em casos como:
- Assimetria facial acentuada
- Paralisia parcial de músculos
- Diplopia (visão dupla)
- Retração palpebral
- Danos oculares
Em caso julgado pelo TJSP, houve comprovação de falha técnica e ausência de prontuário, o que impediu a apuração objetiva do ato clínico. O tribunal reconheceu a existência de dano estético e determinou indenização com base na prova pericial e no nexo causal estabelecido.
6. Prova técnica é determinante
A jurisprudência é clara: sem prova da conduta culposa, não há responsabilidade. Por isso, quem deseja buscar reparação deve reunir:
- Fotos do antes e depois
- Prontuário médico (ou sua ausência)
- Relatos escritos sobre a consulta e aplicação
- Parecer de profissional da área ou laudo pericial
- Informações sobre tentativas de correção ou resposta do profissional
O dano estético, para ser indenizável, precisa ser provado. Isso inclui a demonstração do nexo causal entre a conduta técnica e o prejuízo visual causado, além da culpa ou falha na prestação do serviço.
A estética pode falhar. A responsabilidade, não.
O desejo de mudar a aparência não pode ser tratado como frivolidade. O profissional que atua na estética assume um dever sensível: mexe com a imagem, a confiança e a identidade de quem o procura.
Mas a responsabilidade civil não é ferramenta para desabafar decepções. É um instrumento técnico e jurídico, que só se justifica quando há culpa, nexo e dano.
Se houve falha técnica, o consumidor deve ser reparado.
Se houve frustração sem erro, o direito deve reconhecer os limites da intervenção estética.
A jurisprudência, a lei e a ética impõem esse equilíbrio.
Se você passou por um procedimento estético e desconfia que houve falha técnica, é essencial reunir documentos, buscar avaliação profissional e entender os caminhos jurídicos possíveis. Em situações como essa, a orientação especializada faz toda a diferença.
